Direito de Visitação Durante a Pandemia do Covid-19

Decreto Legislativo n.º 06/2020

Análise de julgados e precedentes judiciais do direito de visitação durante a pandemia do Covid-19, reconhecida como estado de calamidade pública reconhecida pelo Decreto Legislativo n.º 06/2020.

Diante do estado de calamidade pública reconhecida pelo decreto n.º 06/2020, em razão da Pandemia que assola não só o Brasil como o Mundo, a recomendação para conter o avanço da doença é o isolamento social.

Inclusive alguns Estados da Federação decretaram medidas mais restritivas de isolamento, tais como “lockdown” e quarentenas.

Diante deste cenário, como se comporta o judiciário a respeito do direito de visitação?

Em princípio, deve se ter em mente a multidisciplinariedade da presente problemática, a qual deve ser analisada não só pelo Código Civil, como também pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, ambos sob a égide e interpretação da Constituição Federal Brasileira.

A Constituição Federal, tem como um dos seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III da CF/88) e traz em seu artigo 5ª, caput, a garantia do direito à vida e à segurança.

Estatuto da Criança e do Adolescente

Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, tem como princípio basilar e como dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público, que sejam assegurados com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (artigo 4º da Lei 8.069/90)

Assim, nota-se não por acaso os direitos à vida e à saúde, se põe antecipadamente aos demais direito, posto serem não só direitos estabelecidos no referido estatuto como também na Constituição Federal, como direitos universais.

Quanto ao código civilista, em seu artigo 1.583, §2º, estabelece-se que “na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”. (grifo nosso).

Diante da calamitosa situação vivida no país, na qual a doença do Covid-19, ao mesmo tempo envolvida de incertezas perante o desconhecimento dos seus reais perigos, agravados pela grise política e pela ausência de coordenação ao combate da pandemia a nível nacional, o judiciário não se pode olvidar a existência de perigo real de morte ou à saúde da criança e do adolescente de forma que se deve manter o menor onde lhe for mais favorável e suspender temporariamente os direitos de visitação em favor de sua vida e saúde.

Análise

Assim, passamos a analisar como tem julgado os Tribunais de Justiça.

A esse respeito, a 8º Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, recomendou a suspensão das visitas no período de quarentena, possibilitando a compensação posterior e oportuna:

Apelação. Ação de guarda c.c. visitas. Parcial procedência. Guarda compartilhada entre os genitores, estabelecendo a residência fixa do menor na residência materna e amplo regime de visitação a ser exercido pelo pai. Inconformismo da autora quanto ao regime de visitas. Descabimento. Decisão embasada nos laudos psicológicos, bem como nas demais provas dos autos. Guarda compartilhada visando a manutenção de um equilíbrio maior do poder familiar entre os genitores e uma divisão de forma equilibrada do tempo de convívio com o filho. Decisão que melhor atende os interesses da criança. Autorização para retirada às quartas-feiras das semanas em que a criança não terá o convívio com o pai no fim de semana, podendo o genitor retirá-la diretamente na escola, ao final do horário escolar, com a devolução no início do horário escolar na quinta-feira. Recomenda-se, entretanto, que as visitas fiquem suspensas no período de quarentena, em prol da necessidade de cuidados extras decorrentes da pandemia da COVID-2019 e da necessidade de isolamento social dos núcleos familiares, cabendo compensação oportuna. Sentença mantida. Recurso improvido, com observação.

(TJ-SP – AC: 10057822020198260320 SP 1005782-20.2019.8.26.0320, Relator: Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho, Data de Julgamento: 23/05/2020, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/05/2020)

Oposto a este entendimento protecionista, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tem decidido pela manutenção do direito de visita, ante a presunção que o genitor(a) empreenderá todos cuidados necessários para a respectiva preservação:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, ALIMENTOS E REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. PEDIDO DE DEFERIMENTO DO CONVÍVIO DA CRIANÇA COM A MÃE PARA O PERÍODO COVID-19, NA RESIDÊNCIA DA AVÓ MATERNA. DESCABIMENTO. VISITAÇÃO MATERNA. CABÍVEL. Descabe o pedido de deferimento do convívio da criança com a mãe, na residência da avó materna, para o período da Pandemia COVID-19, uma vez que a guarda é mantida pelo genitor, mormente porque a agravante teria informado que ficaria até a Páscoa na cidade de POA, ainda que informe suspensão de suas atividades no período da Pandemia.Contudo, a fim de preservar a necessária convivência entre mãe e a filha, deve ser regularizada a visitação materna.Cabível a pretensão de visitação, não obstante o evento COVID 19, uma vez que a mãe certamente empreenderá todos cuidados que a etiqueta médica recomenda para preservar a saúde da criança. Devida a adequada convivência da mãe e filha, de forma pessoal e não somente virtual para o período do COVID-19, já que a mãe permanecerá neste período na cidade de residência da criança.Precedentes do TJRS.Agravo de instrumento parcialmente provido.(Agravo de Instrumento, Nº 70084139260, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em: 15-04-2020)

(TJ-RS – AI: 70084139260 RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Data de Julgamento: 15/04/2020, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 17/04/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, CUMULADA COM GUARDA, ALIMENTOS E REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VISITAÇÃO PATERNA. MANUTENÇÃO. SUSPENSÃO INDEVIDA. A fim de preservar a necessária convivência entre pai e filho, deve ser mantida a regulamentação da visitação paterna, nos moldes estipulados em audiência. Descabida a pretensão de suspensão da visitação diante do evento COVID-19, uma vez que ausente comprovação de que as visitas do pai importariam risco à saúde e ao bem-estar da criança, presumindo-se que empreenderá todos cuidados necessários para a respectiva preservação. Manutenção da adequada convivência do pai com o filho menor. Precedentes do TJRS.Agravo de instrumento desprovido.(Agravo de Instrumento, Nº 70084132430, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em: 08-04-2020)

(TJ-RS – AI: 70084132430 RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Data de Julgamento: 08/04/2020, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 13/04/2020)

Aqui vale a ressalva, quanto aos casos confirmados de Covid-19 no estado do Rio Grande do Sul, no período que foram proferidas as decisões citadas, especificamente, no dia 05 de abril de 2020[1]:

Portanto, vê-se um cenário menos alarmante do que aquele no período o qual foi proferido a decisão da 8º Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo[2]:

Por fim, vale mencionar que apesar de tais controvérsias acerca do direito de visitação não terem sido apreciadas no Superior Tribunal de Justiça, em Decisão Monocrática do Habeas Corpus n.º 570.728 – SP (2020/0080040-2) o Ministro Desembargador Paulo de Tarso Sanseverino afirmou:

“Muito embora conste dos autos a informação de que o casal de guardiões está inscrito no Cadastro Nacional de Adoção e que já vivenciou tentativa anterior de entrega direta de outro menor, as circunstâncias manifestamente excepcionais enfrentadas pelo país em decorrência do crescimento exponencial da pandemia de Covid-19, produzida pelo vírus SARS-Cov2, acabam por elevar o caso retratado nos autos a uma situação deveras delicada e urgente dada a potencial possibilidade de ocorrência de dano grave e irreparável aos direitos do menor.

Assim, de modo excepcional, visando unicamente preservar o melhor interesse do menor, que, vale ressaltar, é um bebê de um pouco mais de 2 (dois) meses de idade, é de rigor o deferimento do pedido liminar formulado no presente habeas corpus,

Com efeito, a manutenção da guarda de fato do bebê com os atuais guardiões é medida que se revela, a priori, a mais prudente e eficaz para preservar a segurança e a saúde do paciente, bem como de conter a propagação da doença.”

(STJ – HC: 570728 SP 2020/0080040-2, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Publicação: DJ 06/04/2020)

Conclusão

O que se demonstra uma tendência do Tribunal Superior de reconhecimento da possibilidade de ocorrência de dano grave e irreparável aos direitos do menor, notadamente à vida e à saúde, de forma a garantir a proteção do mesmo em detrimento ao direito de visitação.

Naturalmente, ainda não há jurisprudência consolidada sobre o assunto, pelo contrário, há divergência no entendimento dos tribunais. Contudo, é possível perceber uma sensível tendência à determinação da suspensão do direito de visitação pelo período de quarentena em razão da Pandemia do Covid-19.

Dante Ribeiro de Oliveira.


[1] https://news.google.com/covid19/map?hl=pt-BR&mid=%2Fm%2F01l_9d&gl=BR&ceid=BR%3Apt-419

[2] https://news.google.com/covid19/map?hl=pt-BR&mid=%2Fm%2F01hd58&gl=BR&ceid=BR%3Apt-419